Um espaço dedicado às minhas presunções e reflexões sobre os mais diversos filmes que eu, viciado em cinema, vi, vejo e verei. Assim, posso tentar estipular um debate bacana sobre o cinema em si.

segunda-feira

Viaje sem medo com Steve Zissou

Caros leitores,

Após o referendo, vamos falar sobre coisas que interessam sobre a vida, tais como relações humanas, e vou começar comentando um filme q trata da relação pai excêntrico x filho não conhecido. E um cineasta que tem tratado bem deste tema é Wes Anderson, um diretor da nova safra intimista que têm nascido em Hollywood e tem feito filmes muito bons (um deles, Os Excêntricos Tenenbauns, comédia ácida da melhor qualidade).

A VIDA MARINHA COM STEVE ZISSOU - Um novo tipo de comédia

Vendo-se A Vida Marinha com Steve Zissou, apenas fica confirmado que Wes Anderson sabe alguma coisa que nenhum de nós sabe: num tempo em que os mais idiossincráticos realizadores americanos foram forçados a uma aposentadoria compulsória ou a filmarem com apoio principalmente externo, Wes Anderson continua levando adiante dentro dos grandes estúdios seu projeto absolutamente pessoal de cinema, sem ter precisado para isso achar uma fórmula que atraia grandes retornos de público (caso de Martin Scorsese em certa medida, ou mais ainda de M. Night Shyamalan), nem nenhum tipo de “conciliação”. A Vida Marinha é, possivelmente, o mais radical exemplo de tudo que não se esperava estar vendo um estúdio produzir hoje: um filme “de galera”, antes de qualquer coisa (sensação lindamente expressa na ação final do filme, com a caminhada até o barco), e um filme do mais puro cinema – onde a narrativa ficcional entra mais como uma referência distante do que como um fim a alcançar.

É inegável que, no fundo (e como alguns dos melhores diretores), Anderson está constantemente refazendo o mesmo filme: um onde um grupo de pessoas vive a partir de regras muito específicas de comportamento – regras estas não semelhantes nem às que regem as nossas vidas, nem às que regem o que se chama de “naturalismo cinematográfico” clássico –, à parte do resto do mundo (numa ilha) mesmo que por opção própria (“nós somos um bando de marginais”, diz Zissou a Ned). Mundo este no qual os valores realmente importantes são os de viver a vida abraçando todas as suas empreitadas, sejam elas bem ou mal sucedidas. Neste sentido, é fácil ver no Steve Zissou de Bill Murray a continuação do patriarca dos Tenenbaums que Gene Hackman encarnou no filme anterior de Anderson: absolutamente incapaz de se relacionar com as pessoas a partir de uma perspectiva que não seja a sua própria, sendo esta muitas vezes francamente desagradável, mas restando ele sempre absolutamente carismático. Assim como em Tenenbaums, de novo a questão principal dos relacionamentos gira na questão de aceitar o pai (ou, aqui, o filho) como ele é: em olhar além dos traumas que o seu comportamento possa ter causado (“me desculpe se eu te abandonei, não vai acontecer de novo”), e conseguir abraçar cada um na sua falibilidade.

É aí que Bill Murray ajuda muito a levar o personagem de Hackman (ou o que ele mesmo interpretava em Rushmore) adiante: por seu estilo tão peculiar de atuação, onde a comédia surge naturalmente, mas sem jamais emprestar a seu personagem nenhuma consciência de sua comicidade absurda. Na verdade, Murray só é engraçado por poder fazer tudo que faz em cena com a expressão mais distanciada (blasé, diriam alguns), seja na sua dancinha vestido de mergulhador, seja na fantástica cena no balão, seja no salvamento ensandecido do refém dos piratas.Neste ponto é importante pensar mesmo no que é a atuação, segundo Anderson. Porque se Murray é um ponto central do seu cinema, onde intenções de diretores se encontram perfeitamente com estilo e persona do ator, também é preciso ver como, em todas as atuações ao redor dele, Anderson consegue arrancar o mesmo equilíbrio tão delicado entre a renegação mesmo da “atuação” segundo o naturalismo, incorporando a todos os atores e sua forma de enunciar diálogos ou postar-se em cena esta mesmo distanciamento tão peculiar e preciso, que não cria frieza nenhuma mesmo ao negar tudo a que o espectador mais se acostumou a entender como “emotividade”.

Assim é que precisa-se fazer destaque aqui para figuras como Willem Dafoe, Noah Taylor ou Cate Blanchett, que conseguem se misturar a um grupo de atores já acostumados aos andersonismos (Anjelica Huston ou, claro, Owen Wilson), assim como a figuras absoluta e unicamente icônicas (como é o caso de Seu Jorge ou da script-girl) – todos a serviço de um texto que une sofisticação de humor e “bobeira completa” como mais ninguém sabe escrever hoje em Hollywood.É essencial entender, portanto, que este distanciamento (que Murray encarna melhor que ninguém) não equivale a uma não-atuação, muito pelo contrário – há nuances extremos no personagem que ele constrói, na briga que ele empreende desde o início com a consciência de sua própria decadência (onde é especialmente tocante a cena em que ele desaba na escada no meio do salvamento e reflete sobre sua própria falibilidade) e na dificuldade de se relacionar com a idéia de ser pai, ou nas relações que mantém com a mulher ou o grande rival (um Jeff Goldblum sem nenhum limite de histrionismo). Cada olhar de Murray carrega o peso deste personagem, tão eternamente infantil quanto completamente envelhecido – e, neste ponto, a sua ação final no filme é absolutamente essencial: a de pegar a criança nos ombros, e ao fazê-lo reinventar-se e garantir a continuidade de sua história.

O filme terminar com a criança como centro da ação é importantíssimo também porque o cinema de Anderson é eminentemente infantil no seu aspecto radicalmente lúdico. Se isso sempre esteve presente em seus filmes, A Vida Marinha, sem dúvida, representa o seu ápice: o uso dos efeitos de computador para criar tudo menos naturalismo na animação das criaturas marinhas, a encenação em clima de “brincadeira de fundo de quintal” tanto da tomada do navio pelos piratas quanto do resgate posterior, a brincadeira de “casinha de bonecas” (à la Jerry Lewis, é preciso lembrar) na exposição da arquitetura do navio, em suma, tudo no filme pode ser visto como uma ode ao fazer cinema como exercício lúdico – e a expectativa de que o espectador aposte no mesmo sentimento ao assisti-lo. Em A Vida Marinha, porém, esta profissão de fé no poder de fascínio do cinema vem exacerbada: é por isso que se acredita que filmar um cantor brasileiro cantando ao violão músicas de David Bowie em português possui força própria para além de qualquer outra motivação para além de estarmos assistindo a isso; ou o mesmo valendo ao vermos Bill Murray subindo ao ponto máximo da proa de um navio (a posição “Leonardo DiCaprio em Titanic”, digamos), para um momento de suspensão do tempo da ação do filme ao fumar maconha. Tudo isso é cinema puro, sentimento causado por imagem e sons, nada mais. Por isso é que também é essencial entender o filme todo a partir do surgimento final do tubarão-jaguar: não como o atingir do clímax de uma narrativa, mas a própria negação desta pelo encantamento desta figura, representação-absoluta do sonho infantil que move aquelas personagens (“essa é a aventura!”, é a fala final do filme), que se unem então, e sem mais amarras, em torno do Capitão Zissou.

É impossível não mencionar também o fato de que Anderson deixa ainda mais claro este teor de “profissão de fé cinematográfica” que este filme tem, ao fazer com que seus personagens não sejam apenas aventureiros; e sim aventureiros-cineastas. Diversão ampliada ainda aos festivais de cinema e seus debates com a platéia (uma das grandes trocas de diálogo do filme), e principalmente com a exibição no filme que vemos dos filmes “feitos por Zissou” (que, não custa lembrar, é como o filme abre, em janela 1.33). O filme parece em tudo uma aposta nesta mesma maneira que os personagens têm de fazer os filmes “em casa”, de fazer os filmes com os seus amigos, com a sua “galera”. De fato, a própria postura de Anderson e sua gangue (e, aliás, não custa lembrar quem é seu parceiro original, muito antes de Hollywood descobrir os dois: Owen Wilson – que foi achar uma outra “galera” para fazer cinema também, com Ben Stiller, Will Ferrell, Vince Vaughn etc) é da afirmação de um cinema de turma num sentido quase pré-adolescente mesmo: impossível não imaginar os tempos passados por esta galera na Itália, “brincando de fazer cinema” com a mesada que papai-Disney e mamãe-Buena Vista mandavam lá de Los Angeles.

Esta talvez seja uma das sensações mais recompensadoras que os filmes de Anderson, e este em especial, nos passam: a de que eles saíram de férias com o dinheiro dos pais, sem seguir regras nem limites, e que assistimos ao produto final deste “grande golpe”. Que consegue escapar da perigosa armadilha do auto-centrismo por conseguir compartilhar conosco o amor absurdo de todos os envolvidos – tanto pelo cinema, como pelo seu próprio ato de rebeldia; e desta forma toda errada, pela vida em si.

FICHA TÉCNICA:

A Vida Marinha com Steve Zissou - The Life Aquatic with Steve Zissou
EUA, 2004 Comédia - 118 min
Direção: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson e Noah Baumbach
Elenco: Bill Murray, Owen Wilson, Cate Blanchett, Anjelica Huston, Willem Dafoe, Jeff Goldblum, Michael Gambon, Noah Taylor, Burd Cort, Seu Jorge, Robyn Cohen, Waris Ahluwalia, Niels Koizumi, Pawel Wdowczak, Seymour Cassel, Isabella Blow


Buenas,

Cadu

sexta-feira

Último lance antes de domingo

Caros leitores,

Infelizmente não deu para cumprir a promessa de ver "O Senhor das Armas", filme oportunamente lançado nas telas às vésperas do fadado referendo do desarmamento (ou seria do aborrecimento?). Porém não deixo o leitor na mão e copiei um comentário num site de cinema, para suprir essa demanda, mesmo que para isso deixe de postar um comentário meu:

"Poderíamos chamar O Senhor das Armas de documentário? Dificilmente, mesmo que Nanook, um clássico dessa seara de filmes, tenha uma relação tão semelhante com a realidade. Mas o que interessa aqui é o fato de que as principais virtudes desse filme de Andrew Niccol são aquelas que se espera de um bom documentário informativo/jornalístico: apresentação e exaustão de um tema complexo e pouco considerado, veemência e relevância em torno de um tema social da maior importância (e ainda mais num momento oportuno de discussão na sociedade brasileira), mostrar as contradições inerentes na relação entre o business dos países e a defesa que fazem da paz e da democracia, etc. Um problema se coloca – e de certa forma se coloca da mesma forma que nas discussões sobre a validade do cinema de Michael Moore –: para quê, então, fazer um filme de ficção?
A resposta, nos dois casos, tenta se justificar (tanto a ficção quanto no caso desse filme ou a linguagem televisiva-pegadinha-trash do cinema de Moore) pela maior receptividade e aceitação de público. Mais um motivo de aproximar isso tudo da questão do documentário, porque é acima de tudo uma tentativa de vínculo social que se tenta estabelecer entre produtores conscientizados e público interessado.
Afora isso, não há muito mais coisas que o filme revela. Podemos louvar O Senhor das Armas por construir seu personagem entre Estados Unidos e Ucrânia (é aí que reencontramos a Little Odessa, gueto ucraniano em Nova York que havíamos conhecido com o incrivelmente superior Fuga para Odessa de James Gray), entre os valores de "livre empreendimento" do capitalismo americano e o desmonte do armamento pesado ucraniano a partir da dissolução da União Soviética. Podemos gostar da maneira que o filme mostra como os grandes megaempresários circulam de maneira muito harmônica entre as figuras do glamour (Ava Fontaine, também saída de Little Odessa e transformada em megamodelo, vira a esposa do protagonista Yuri Orlov) e os chefes de estado, sejam eles ditadores sanguinários da África, sejam os soturnos engravatados do oficialato americano. Podemos, finalmente, apreciar a forma como o filme relaciona as maiores potências mundiais ao tráfico ilegal de armas, e como ao final mostra que a atividade ilegal é não só tolerada pelos governos, mas incentivada porque também lateralmente os ajuda, tanto política quanto economicamente.
No entanto, podemos gostar de tudo isso, e ainda assim O Senhor das Armas só se sustenta nesses termos. Toda a preocupação de mise-en-scène que um filme como Gattaca, seu primeiro longa, mostrava reduz-se aqui a efeitos não muito distantes do cinema mais pirotécnico e infantil de um Michael Bay ou de um Peter Jackson.
Contemplemos a "sacada genial": na seqüência de abertura, filmar do ponto de vista de um projétil o caminho que vai desde sua feitura na fábrica até a colocação numa embalagem, passando por aviões, chegando ao tambor da arma propriamente dita e indo terminar na testa de um adolescente negro com cara de vítima. Genial ou grotesco? Até onde podemos ir com nossas boas intenções? Devemos vender uma idéia como se vende um produto, sensibilizando apenas pelo sensacionalismo, como se algo como a razão não fosse interessante o suficiente?
São perguntas que tocam profundamente a construção de imagens hoje, dos filmes à publicidade (e é particularmente chocante ver a estupidez das publicidades pró-Sim e pró-Não na campanha para o referendo do desarmamento) e que Andrew Niccol não consegue equacionar minimamente com o seu filme. Se dirigir filmes como Gattaca e S1m0ne, além de roteirizar e produzir O Show de Truman colocavam Niccol como uma figura verdadeiramente interessada na contemporaneidade, a partir de O Senhor das Armas mais parece que temos diante de nós um novo Stanley Kramer, ou um novo Oliver Stone: um diretor que parasita um tema importante para compensar a insuficiência estilística." escrito por Ruy Gardnier


Bem, acho que não deve faltar nada para comentar esse filme do Nicolas Cage (ao qual eu particularmente, apesar de reconhecer alguns bons papéis dele, não simpatizar com seus trabalhos), e semana que vem, com essa baboseira toda de referendo acabando, vou priorizar filmes mais intimistas, ligados a convivência: "A Vida Marinha com Steve Zissou" de Wes Anderson; "Em Boa Companhia", de Paul Weitz e "Tempestade de Gelo", de Ang Lee. Filmes diferentes, mas com conexão. Talvez sobre tempo para uma resenha de "Beleza Americana", de Sam Mendes. Quem sabe?

Buenas,

Cadu

quarta-feira

Obrigado a falar sobre o referendo

Caros leitores,
Nessa semana só se fala numa coisa: referendo pra lá e para cá. Desarma ou não desarma, comercializa ou não, favor da vida ou a favor dos direitos? Muitos contrastes, sendo que na minha opinião o maior contraste é o referendo contra o próprio Estatuto. Ou então é certo desarmar alguns e deixar as empresas privadas com esse privilégio? O que está por trás disso tudo?
O que não falta é e-mail com receita, nessa louca corrente de opiniões que a internet hj nos impõe. Mas o que falta realmente é usar uma ferramenta tão legal e democrática como uim referendo com coisas muito mais sérias, como a adesão do Brasil ou não à ALCA, ou se devemos realmente pagar essa dívida e(x)terna ou não...
Enfim, então vamos ao cinema....."Tiros em Columbine" marcou época como um documentário forte que contrapõe a cultura armamentista ianque, e é usada de maneira equivocada pelos partidários do sim, pois acho que as armas agem de maneira diferente em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, até porque existe uma grande diferença entre o Poder Público de EUA, Inglaterra com o do Brasil, Peru, Jamaica....vamos lá!
Em tempo: no referendo, eu voto 3, ou seja....NULO!


TIROS EM COLUMBINE - Protesto histérico, porém necessário

Vamos tirar logo do caminho uma série de questões, então: o que Tiros em Columbine faz de francamente errado? Primeiro, ele possui um grave problema: para um filme de "tese", este não parece ter muita certeza de qual é a sua. A argumentação excessiva e frenética de Michael Moore muitas vezes parece estar tentando jogar uma nuvem de fumaça na frente deste simples fato: ele não tem muita certeza do que está tentando dizer. Por causa disso mesmo, tantas vezes ele parece estar chegando a uma conclusão (ou a uma pergunta, o que sempre pode ser mais interessante), e de repente, como o cachorro com seu próprio rabo, ele simplesmente parece perder o foco de atenção, e corre para outro ponto, talvez mais brilhoso ou que faça um som atraente, mas certamente que não é aquele que ele parecia estar perseguindo.
Este é, disparado, o principal "problema" (se vemos a análise por este enfoque) do filme. Mas não é o único. O egocentrismo de Moore também aparece como questão. Sua disposição em tomar a frente de seu próprio filme certamente possui um quê de corajosa, e de francamente confrontadora, mas também possui um orgulho excessivo que seguidamente o coloca "acima" de quem ele entrevista, o que incomoda sempre. Ou, poderia se falar ainda da tendência a institucionalizar os seus entrevistados, quando assim se deseja.
Ou seja, Tiros em Columbine é um filme cheio de defeitos graves, devendo ser ignorado, certo? De forma nenhuma. Porque, cheio de contradições como é, os seus pontos de interesse parecem ganhar ainda mais força. Uma acima de todas: é um filme que precisava ser feito, e o que mais se deve pedir de um filme do que isso? Numa sociedade como a norte-americana, onde as vozes dissonantes são abafadas por uma espécie de "contrato social" democrático e uma crença na sua própria superioridade indiscutível enquanto nação (ao invés de uma ditadura opressora, que automaticamente leva a um aparato de rebelião tão institucionalizado quanto o de repressão), que se eleve um "grito" como o de Moore é essencial. E que seja um grito tão caótico, exagerado e muitas vezes equivocado, parece central. Porque a primeira coisa que se precisa é chamar a atenção, fazer ver com que entre os dois pontos de vista (o dominante e esta "oposição") precisa haver um meio termo possível. Não é tempo de ser ponderado e razoável em sua aproximação, porque não é assim que o "adversário" (sendo o cinema de Moore tão confrontacional, falemos nestes termos, e pensemos no rosto de George W. Bush como encarnação deste conceito) se coloca. Qualquer argumento menos "barulhento" se perderá frente aos gritos deste outro lado. Há momentos de ser ponderado, e este não é um deles.
Outra questão essencial do filme de Moore é ainda mais simples: ele é divertido. Tornar um documentário uma obra "popular" (vamos já usar o conceito ao mesmo tempo que avisamos quão complicado ele é) é extremamente louvável hoje. Chamar a atenção de platéias para a discussão de idéias e da realidade, e fazer com que isso aconteça quase imperceptivelmente enquanto se diverte o espectador, mais ainda. O filme de Moore consegue ter 120 minutos de argumentação pesada, e ainda descer extremamente fácil. Claro, esta facilidade é parte da prova de que seus argumentos de fato não se completam "teoricamente", mas se assim o fizesse também é fato de que ele estaria passando para platéias ínfimas na TV Educativa, e aí cumprindo qual função exatamente?
E o que não se pode negar nunca é que há sequências simplesmente geniais no filme de Moore. O desenho animado que resume a História dos EUA dentro da idéia do medo, por exemplo. Algumas inserções cômicas funcionam perfeitamente (como a menção ao programa de TV "Cops" ou a invasão das casas no Canadá) e algumas entrevistas levantam idéias efetivamente relevantes (como a com Marylin Manson, ou aquela com um procurador americano). Por tantas vezes quanto o filme parece perder o foco, quando ele o encontra suas idéias são instigantes. A questão da cultura do medo nos EUA como forma de dominação social, a fascinação pelas armas e seus reflexos sociais, a leitura do macro (atuação política no mundo) como reflexo do micro (a crueldade das pequenas violências).
Em suma, Michael Moore fez um filme que não se deve ignorar. Que se deve discutir, criticar, defender. Mas, quanto ao qual devemos nos posicionar. Não se pode falar isso de muitos filmes hoje em dia.


Buenas,

Cadu

segunda-feira

Uma estréia simples

Caros leitores,

Depois de ter frequentado (com pouca assiduidade, eu assumo) como colunista do blog Mesa do Bar (mesadobar.blogspot.com), decidi fazer um vôo solo sobre assuntos q me interessem mais, criando um espaço de divagação, opiniões, críticas e discussões saudáveis, principalmente sobre cinema.

Neste post (pretendo fazer no mínimo dois por semana), farei comentários sobre um grande clássico (Cidadão Kane, de Orson Welles), e tentarei fazer no mínimo três posts por semana, com pelo menos uma resenha de algum filme, atual ou antigo, tentando nos próximo enfocar filmes que envolvam um pouco a temática da comercialização das armas, a grande polêmica q a mídia vem explorando atualmente. Boa leitura e não deixe de dar seu comentário.

CIDADÃO KANE - O Édipo de Welles

Há pouco mais de 60 anos, Orson Welles lançou o que para muitos seria o maior e melhor filme de todos os tempos. Visto hoje, Cidadão Kane certamente não tem o mesmo impacto da época de sua primeira exibição, mas ainda é uma obra chocante.

A história é conhecida: uma biografia disfarçada do poderoso William Randolph Hearst. O protagonista, Charles Foster Kane (vivido pelo próprio Welles) seria uma espécie de Roberto Marinho da época, magnata da imprensa americana. O diretor teve muito trabalho com Hearst e seus amigos, que queriam destruir o filme, mas conseguiu concluir e exibir sua obra-prima.
Cidadão Kane mereceu uma grande quantidade de estudos. Uma história sobre a ascensão e queda de uma grande e famosa personalidade. Kane realmente é uma personagem que é destruída ao longo do filme, mas a finalidade não é o castigo daquele que quer todo o poder. Cidadão Kane tem como finalidade mostrar que nada é melhor do que o colo da mamãe.

Assim como em seus contemporâneos O mágico de Oz e ...E o vento levou, os protagonistas percebem que o melhor mesmo é a terra natal, a família bem próxima, os cuidados maternos. Estas obras são realizadas em plena eclosão da Segunda Guerra Mundial. Filmes não são concebidos de forma ingênua. Mesmo que Welles tivesse toda a liberdade do mundo para criar era princípio básico da indústria cinematográfica a propagação do patriotismo, a certeza de que é necessário defender a pátria em eventual guerra.

Orson Welles teve carta branca para fazer o quisesse com seu Kane e muito, mas muito dinheiro para a época. Welles vinha de seu maior sucesso como comunicador. Realizara um pouco antes, em 30 de outubro de 1938 a transmissão histórica, via rádio, de A Guerra dos Mundos. O que era para ser uma "pegadinha" de Halloween provocou ondas de pânico nos Estados Unidos. Assim, Welles teve total liberdade criativa para levar seus colaboradores mais próximos do The Mercure theatre para seu primeiro filme. O cineasta novato premiou o espectador com uma série de invenções que até hoje causam impacto nas telas. Welles criou uma lente especial que dá impressão de profundidade do foco. Além disto, o uso de câmara baixa ou alta acentua a grandeza ou insignificância das personagens. Quando é mostrado de baixo para cima, Kane é poderoso e amedrontador.

Welles também inaugura a sobreposição de imagens, a dupla exposição, que dá liga e um dinamismo à história. Esta nunca é linear. Não há obrigatoriamente uma cronologia. A narrativa é repleta de avanços e retrocessos no tempo sem causar confusão ao espectador. À biografia de Kane, são inseridas várias versões do mesmo fato, o que aumenta a curiosidade sobre a personagem, sem deixar uma verdade absoluta.

Welles praticamente antevê o que aconteceria em seguida, o culto à personalidade do artista, a celebridade. Kane é o protótipo de sucesso da época: barão da mídia, político. Mas morre sozinho e triste.

Isto cativa imediatamente o espectador com um segredinho, que já foi há muito tempo desvendado: logo no início do filme, quando morre, o magnata pronuncia a palavra "Rosebud". Note-se: ninguém está no quarto! Ninguém viu ou escutou. Somente o espectador. Toda a narrativa a seguir é a da procura do significado desta palavra. A imprensa se reúne para investigar. Mas quem contou aos jornalistas?

Trata-se de uma artimanha notável de Welles que dá início ao percurso de identificação entre espectador e o cinema. O cineasta coloca-nos imediatamente na trama, dentro do filme.
Cidadão Kane tem montagem e ritmo alucinante. Suas idas e vindas lembram o funcionamento da mente, o pensamento que busca conexões a todo o momento, em saltos. Assim como a morte de Kane, somente nós, os espectadores sabemos o segredo de Rosebud. Enfim, uma obra que mesmo sexagenária, não deixa de ser atual essa saga, vista na vida real na pele de diversas outras autoridades.

Ficha técnica:

Cidadão Kane - Citizen Kane, 1941 - EUA - Drama - 114 min.
Direção: Orson Welles
Roteiro: Herman J. Mankiewicz e Orson Welles
Elenco: Orson Welles, Sonny Bupp, Buddy Swan, Joseph Cotten, Dorothy Comingore, Agnes Moorehead, Ruth Warrick, Philip Van Zandt, George Coulouris, Everett Sloane, Paul Stewart

Buenas,

Cadu